No nosso mundo contemporâneo o Fausto de Goethe tem inúmeros irmãos.
Alguns deles mais conhecidos de todos nós: Darth Vader, o Exterminador, Mr.
Hyde, Drácula, e todos os milhões de insatisfeitos que são atraídos pela
promessa de poder, conquista, beleza eterna, na esperança de usurpar os
domínios dos Deuses.
Como Fausto, cada um de nós anseia
por sentido, por significado e por uma experiência que nos conecte a algo maior
que nós. Como Fausto, desejamos acabar com nossa solidão, com nossas tristezas
e como ele, cada um de nós se vende para um demônio, sacrificando, assim, a
complexidade e autenticidade próprias em busca de se sentir seguro, ganhar amor
ou dinheiro.
Nossas barganhas mais modernas não
têm limites: trocamos nossa sensibilidade por um casamento de conveniência, ou
nossa criatividade artística por um cargo bem remunerado. Trocamos nossa vida
familiar por sucesso e influência no mercado. Trocamos paz de espírito por
aparência e status. Trocamos relacionamentos autênticos por sexo anônimo.
Trocamos autonomia por dependência financeira. Ou trocamos todas as nossas
lutas em busca da nossa alma pelos prazeres temporários do vício. Em geral, essas
barganhas são feitas na primeira metade a vida, quando os desejos da juventude
parecem inabaláveis. São trocas e pactos inconscientes, sem avaliarmos os
sacrifícios envolvidos, tais como: perda da vulnerabilidade, perda da
intimidade, perda da autenticidade, perda da imaginação, perda da alma.
Mas, em algum momento, ou com a
chegada da maturidade, ou de alguma forma dentro de nós, talvez, percebamos a
mentira que dissemos a nós mesmos e aí é hora de confrontar a vida passada, o
sonho perdido e o custo da barganha. Como Fausto, percebemos que não basta
pagar ao diabo a sua parte, temos que reconhecer e aceitar nossa escuridão,
nossa traição a nós mesmos. É hora de se dedicar ao aprendizado de identificar
os personagens de sombra ou os sinais de sua presença. Estes sinais geralmente
aparecem em pensamentos mecânicos e repetitivos do tipo: “nunca vou conseguir”,
“sou estúpido demais”, “sou gorda demais”, “preciso beber alguma coisa”, “posso
fazer isto amanhã”. Ou sentimentos negativos, como: medo, culpa, raiva,
tristeza, angústia. Ou sensações corporais específicas: boca seca, mãos
geladas, sudorese, aperto no peito, sentimento de vazio, desejo incontrolável.
Ao reconhecer estes sinais como padrões repetitivos associados a determinadas
situações, pode-se evitar ser dominado por suas conseqüências desastrosas,
praticando outro papel: o do observador atento e encarar o perigo de frente,
com cuidado e compaixão, pois, enquanto nossa amiga e companheira, nossa sombra
vem nos mostrar o caminho da nossa evolução.