Identificar
um personagem de sombra não é tarefa fácil. Lembremos aqui um pequeno trecho de
outra obra prima da literatura universal, Odisséia do poeta grego Homero, a fim
de nos ajudar na construção de uma compreensão. Nessa história iremos conhecer
os acontecimentos que envolvem um venerável navegador, Ulisses e sua travessia
de volta para casa depois da guerra de Troia. É a viagem de Ulisses através do
mar próximo às Ilhas das Sereias que nos interessa aqui, a fim de nos mostrar
como reconhecer alguns dos sinais que antecedem a aparição dos nossos
personagens sombrios a nos indicar que, a sedução do seu canto de sereia está
para começar.
Durante
a guerra de Tróia, muitos navios desapareciam com toda sua tripulação ao
passarem pela ilha das Sereias, poderosas sedutoras e guerreiras femininas,
atraíam suas vítimas cantando canções inebriantes para distraírem suas vítimas,
que se destroçavam com suas embarcações nos rochedos. Ulisses, sabendo que iria
enfrentar esse perigo, se precaveu, ordenando a seus remadores que usassem
tampões de cera nos ouvidos e amarrando a si mesmo ao mastro do navio. Amarrado
ao mastro, ainda que ouvisse os cantos embriagantes, não deixaria que seu navio
se desviasse do curso e se arrebentasse nos rochedos.
Nossa
interpretação aqui segue as orientações dos autores Connie Zweig e Steve Wolf,
quando afirmam que o mastro do navio é como o Self (a alma) e a experiência de
estar amarrado ao mastro é a sensação de estar enraizado ou aterrado no centro
de si mesmo, de forma que as forças invasoras (pensamentos perturbadores,
sentimentos fortes, sensações dolorosas, negatividades, medos) não possam nos
desviar de nosso curso. No nosso contexto, ser seduzido pelo canto das sereias
é o mesmo que cair em poder de forças estranhas e desconectar-se do Self.
Basta
uma intensa emoção de momento: uma gota de medo, de ódio, de desejo
incontrolável é suficiente para encharcar a psique e transbordar nosso corpo de
sinais visíveis: sudorese, taquicardia, boca seca, respiração falha, etc. Uma
única experiência temporária em um dos nossos sentidos ou emoção é suficiente
para expressar seus desastres na pessoa inteira. E o que fazer quando nos
sentimos levados pelos ventos fortes da emoção ou aprisionados pelo canto da
sereia dos padrões compulsivos de pensamentos?
Se aprendermos com Ulisses, iremos nos precaver, ou seja, nos observar,
o famoso “contar até cem” ou “respirar fundo”, entretanto, sem nos desviar os
olhos do perigo a nossa frente, pois sabemos que nos encontraremos nessa
situação outra e outras vezes. Como Ulisses nos ensina, ouvirmos os cantos
sedutores dos padrões compulsivos dos nossos pensamentos sem, no entanto,
desenraizarmos do nosso Self, sem deixar que estes cantos nos provoquem e nos
seduzam a entrar no seu jogo.
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